historinhasdamoleque

segunda-feira, junho 05, 2006

Exagero / Autoridade rima com Liberdade?

Imagem de filme de animação quadro-a-quadro feito por Tadeu, Paulo e Breno, 9 anos.






Minha filha de 17 anos viu a anotação sobre a carta do Prof. José Pacheco e disse "Prá que tanto ponto de exclamação?". Eu disse que era para enfatizar a alegria. Ela disse "Credo! Parece que viu o papai noel!"

Hoje estava estudando lá no site da Aquifolium e respondi uma carta e coloquei o link para o blog. Quando entrei aqui vindo de lá, e dei de cara com os pontos todos de exclamação, achei mesmo um exagero, fiquei meio envergonhada! Mas na hora que recebi a carta eu fiquei assim mesmo, feliz demais. E fiquei muito emocionada com vários dos textos que eu li, escritos pelo professor José Pacheco. Um deles, sobre liberdade e autoridade, está a seguir:

Amigo Wilson,

Perguntas: autoridade rima com liberdade? A resposta é afirmativa, embora exista sempre a possibilidade de "escorregar para o autoritarismo". Talvez, como dizes, seja parte da tal "heranca maldita" que as ditaduras deixaramtanto em Portugal quanto no Brasil, países que detêm a sina de serem governados por ridículos tiranos, como diria o Caetano.

A diferença entre autoridade legítima e autoritarismo é abissal. E, aqui poderíamos dar início a uma longa conversa. Mas lembrei-me de que, há alguns anos, o problema da indisciplina estava na ordem do dia e eu também escrevi nos jornais. Publiquei uns artigos (ligeirinhos.) sobre autoridade e indisciplina. E a ironia calou "argumentos".

Deixo-te alguns dos artigos. Têm, entre outros defeitos, o estarem velhos e de se referirem à realidade portuguesa.

"Moço que não é castigado não será cortesão nem letrado"

INDISCIPLINA (Parte II)

Assinalo a publicação do estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário[1]. Mas, porque já tive oportunidade de dizer o que penso sobre este assunto num artigo anteriormente publicado neste jornal, deixar-vos-ei, desta vez, com alguns excertos de artigos publicados na revista O Ocidente.

Recolhi-os nas suas edições de Maio e de Junho de... 1887, muito provavelmente as mesmas nas quais uma ilustre deputada da actual Assembleia da República deve ter colhido inspiração para recentes intervenções.

Recuemos até ao tempo em que as câmaras mandavam. A citada revista rezava assim: "A questão disciplinar é da exclusiva competência do Governo. A câmara de Lisboa decretou ex-abrupto a proibição absoluta dos castigos corporais, quando o regulamento do Governo os permite em hipótese. O regulamento autoriza os mestres a aplicarem em casos extremos um pequeno castigo paternalmente dado e sem rancor.

O Governo com o seu regulamento dá os meios para se conseguirem os fins, pugna pelo bom carácter civil, moral, religioso e literário do ensino. A câmara, autorizando a anarquia com as suas teorias regulamentares, destrói o carácter do ensino.

Ora o que sucede?

É fácil de perceber. O aluno refractário, cheio de maldade, não obedece à palavra e tem a certeza da impunidade, porque a câmara a decretou. O professor esfalfa-se para restabelecer a ordem e não o consegue porque a onda de insubordinação cresce e responde: "se me toca, bastar-me-á meia folha de papel selado para que a câmara o derreta, agora veja lá o que faz!"

E há sempre um quadro teórico de referência... "Segundo Genuense, Laromiguer, Joufroid e outros, o homem é formado de matéria e espírito. Proibindo os castigos referentes à psico e ao corpo, só por exclusão de partes se autoriza os espirituais. Mas castigos espirituais apenas existem na imaginação da câmara de Lisboa, puramente espiritualista.

A câmara administradora da instrução do povo invadiu os domínios alheios, intrometendo-se na questão disciplinar, e por isso converteu as escolas em moinhos.

As escolas são moinhos de monotonia, moinhos no ruído da indisciplina, que vai lavrando a olhos vistos; moinhos porque os mestres saem moídos da escola, onde, em vez de ensinarem o que sabem, gastam o tempo gritando contra os díscolos que não atendem às explicações."

Finalmente, entre a metáfora do moinho e a separação das águas... "Os mestres quase nada ensinam à falta de disciplina que não há. As crianças que são bem comportadas e desejam aprender pouco aprendem. Aos meninos da Mitra não se lhes pode aplicar palmatoadas para os conter na ordem, evitando que, por sua ruindade contagiosa, corrompam os bons costumes das crianças bem educadas. Daqui nasce a imoralidade das novas gerações, cuja educação não pode a escola conseguir.

Que interessante é uma escola bem disciplinada! Mas onde a há que deixe de ser perturbada por algum de entre muitos que, saindo do seu tugúrio[2] vem incorporar-se na comunidade limpa e asseada e eivá-la dos vermes da destruição moral, corrompendo pelo mau exemplo os corações bem formados, as consciências limpas de tantos outros de famílias de sãos costumes.

Separem-nos! Não pode ser![3] O lobo e a ovelha não podem coexistir, porque as leis da natureza imperam na própria índole."

Deliciosa prosa! Não lhe acrescentei quaisquer comentários. As razões da transcrição são óbvias. E, se daqui a outros 113 anos, eu ainda for vivo, voltarei ao assunto, dada a sua (mais que provável) actualidade.

ENTRE MARGENS

Apresentei o alvará e logo ouvi o comentário: "De um homem é que nós estávamos a precisar!"

Assim, de imediato, não comprendi a razão da masculina preferência. Mas logo me foi explicado que seria bem-vindo um pedagogo musculado que pusesse na ordem umas pestes de uns alunos que por aquelas paragens perturbavam a placidez dos dias. Trinta repetentes crónicos, armazenados numa só turma, transformavam a vida das professoras agregadas num inferno. A que por lá tinha passado no ano anterior jurara para nunca mais... Tinha sido insultada e apedrejada. O material didático que, na melhor das intenções confeccionava, voava janela fora. E lá se foi, um dia, de atestado médico.

"Um colega é que nos estava mesmo a fazer falta. Do que estes trogloditas precisam é de um pulso firme! Infelizmente, no primário não podemos pô-los na rua, nem mandá-los para casa! Não é?"

"Ainda bem!" - respondi, na mais pura ingenuidade dos "verdes anos" de profissão. E foi como entrar com o pé esquerdo naquela escola. As colegas passaram a olhar-me de esguelha, como quem pensa: lá vem em este armado em bonzinho!

Para abreviar, dir-vos-ei apenas que tudo acabou bem. Só não houve castigos para os maus (como acontece nas telenovelas), porque, afinal... eram todos bons rapazes.

Um novo regime disciplinar.

Está na ordem do dia o debate público do projecto de diploma legal relativo ao regime disciplinar dos alunos. Mas, por estranho que pareça, quase só tenho recolhido de diversas intervenções referências ao "combate à indisciplina" nas escolas. Devo começar por dizer que, por ser pacifista, não poderei participar de qualquer combate. E, igualmente, confessar a minha
incompleta ignorância, pois de indisciplina nada sei.

Aqui poderia dar o artigo por concluído e com justíssima causa. Mas, como sou de natureza verrumosa, este meu mau feitio impele-me a perguntar, por exemplo: como é que alguém, que critica o ministério por não lhe ter dado a ler um documento, pode criticar um documento que o ministério ainda lhe não deu a ler? Não percebo, mas aconteceu.

No pressuposto de que, à data da publicação deste meu texto; já todos terão tido acesso ao documento e, depois de o terem lido, terão opinião formada sobre o assunto, sobre ele passo a tecer algumas considerações, porque também já o li.

O diploma em vigor desde há duas décadas apenas serviu para legitimar a banalização de um sistema de sanções. Os processos disciplinares funcionaram como amortecedores de tensões, não lograram eliminar as causas dos conflitos. O projecto de diploma legal que se encontra em discussão parte de um outro quadro de referência, mas continua a enfermar do mesmo mal. Ainda que sob a eufemística designação de "medidas educativas disciplinares", dois terços da proposta de normativo refere-se, directa ou indirectamente, a repreensões, suspensões, expulsões e quejandos, reflexos de uma
racionalidade arcaica, infectada por sentimentos negativos de desconfiança, insegurança, desforço. Não ouso duvidar das boas intenção do legislador, mas talvez se tenha deixado tentar por um fatal "meio-termo".

Indisciplina, a filha dilecta do autoritarismo e da permissividade.

A disciplina a que me refiro é a liberdade que, conscientemente exercida, conduz à ordem; não é a ordem imposta que nega a liberdade. Enquanto não compreendermos isto, não compreenderemos mais nada.

O problema da disciplina só pode ser equacionado globalmente e não restrito à escola. Mas não estou a refirir-me ao triste espectáculo da "disciplina" partidária, do reflexo condicionado que provoca um erguer de braço sempre que o líder ordene. Nem me refiro à disciplina ausente de certas reuniões e assembleias, nas quais o caos e o falar mais alto que o próximo se sobrepõem ao civismo e à razão.

A disciplina poderá ser alcançada e mantida com recurso a mais castigos, normas, multas, punições? Duvido. Talvez dependa mais da criação de condições para o exercício de uma liberdade responsável, na escola e fora dela. Será o exercício da cidadania, dentro e fora da escola, que viabilizará a formação pessoal e social de alunos-pessoas responsáveis pelos seus actos, individuais ou colectivos, e dispensará quaisquer imposições normativas de códigos de conduta. Mas como conseguir tal desiderato, se as escolas raramente se constituem em espaços democraticamente organizados?

Dizei-me: quem institui as regras, os direitos, os deveres? Quem estabelece e gere horários e calendários? Quem define objectivos e projectos?

Onde pára uma pedagogia da participação e da democraticidade que atenue o sobrepovoamento dos depósitos de alunos em que muitas das nossas escolas se converteram? É o aluno que está doente, ou estará doente a escola e a sociedade que a engendrou e alimenta?

Será com mais represálias que se eliminarão as causas do desconforto das violências? Será que o respeito, que muitos dizem estar em déficite, é uma réplica do medo que tínhamos na escola de antigamente?

Qual o espaço social de intervenção que cabe aos pais dos alunos? E a outros agentes educativos? Quantas escolas agem cooperativamente na apresentação, discussão, aprovação e aplicação das normas que integram o seu regulamento?
Qual o grau de participação activa dos alunos na sua elaboração? Se os alunos (e os pais dos alunos) não sentem a escola como coisa sua, por que hão-de respeitá-la? Porque hão-de respeitar regulamentos de cuja elaboração não participaram?

Em quantas das nossas escolas os representantes dos alunos nos órgãos de administração e gestão e de coordenação pedagógica exercem em pleno as suas funções e fazem valer os seus direitos? Por que será que a maioria dos
regulamentos que conheço são repositórios de proibições, de sentenças inevitavelmente iniciadas pela palavrs NÃO? (E nem sequer se trata de colocar a ênfase nos deveres: trata-se de ostracizar os direitos) Por que razão plausível não hão-de os jovenzinhos contrariar prescrições a que são alheios? Na determinação "não é permitido fumar nas casas de banho",
qualquer normal aluno (ainda que não-fumador fundamentalista) lerá, em desafio: "vamos tirar umas passas p'rá retrete, só p'ra chatear os setôres".

Se fosse possível isolar os factores que concorrem para a generalização da indisciplina, avultariam, quer a falta de formação dos professores no domínio relacional, quer a racionalidade que preside ao modo como a escola se organiza. Por muito que nos perturbe a afirmação, as escolas ainda são, como outras organizações, redutos de micro-poderes, mais ou menos ocultos, resistentes a processos de mudança e de democratização. As manifestações de indisciplina não serão também reflexos da impotência que advém da perda de prestígio e credebilidade das instituições? Por quanto tempo mais nos iremos
manter no precário oscilar entre duas posições estéreis, entre um pessimismo reaccionário e inconsequentes boas-vontades? Como poderemos pensar em controlar as águas revoltas de um rio, se nos esquecemos das margens que as comprimem?

A "Ponte" entre o carinho e a firmeza

Confesso a minha incompleta ignorância. De indisciplina nada sei. Sei de crianças que dão lições de autodisciplina na sua escola. Sei de crianças que não entendem a indisciplina do gritar mais alto que o próximo, nas assembleias de adultos, porque na sua assembleia semanal erguem o braço quando pretendem intervir. Sei de crianças de seis, dez, doze anos, que sabem falar e calar, propor e acatar decisões. São crianças capazes de expor, com serenidade, conflitos e de, serenamente, encontrar soluções. São cidadãos de tenra idade que, no exercício de uma liberdade responsavelmente assumida, instituíram regras que fazem cumprir no seu quotidiano.

A indisciplina é a filha dilecta do autoritarismo e da permissividade. A disciplina a que me refiro é a liberdade que, conscientemente exercida, conduz à ordem; não é a ordem imposta que nega a liberdade.

Na Escola da Ponte, cada criança age como participante de um projecto de preparação para a cidadania no exercício da cidadania. Foi por isso que se constituiu a Assembleia de Alunos que reúne semanalmente. Através deste, como de outros dispositivos, as crianças não são educadas apenas para a autonomia, mas através dela, nas margens de uma liberdade matizada pela exigência da responsabilidade.

Buscamos, desde há 25 anos, a escola de cidadãos indispensável ao entendimento e à prática da Democracia. Procuramos, no mais ínfimo pormenor da relação educativa, formar o cidadão participativo e sensível, o cidadão fraterno e tolerante. Para substituir a cultura do individualismo egoísta pela cultura da solidariedade, é necessário vivê-la e ensiná-la na escola,
em todos os dias, em todas as horas... com o q. b. de carinho e firmeza.

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[1] Decreto-lei nº 270/98 de 1 de Setembro

[2] Leia-se, em 1998, "bairro degradado", "minoria étnica", "cultura
marginal à escola de elites"...

[3] Ouvi idêntica exclamação numa reportagem transmitida pela SIC, em 10 de
Setembro de 1998.
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Curso FAZER A PONTE
http://www.aquifolium.com/ponte/

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posted by Leila País de Miranda @ 8:46 AM

1 Comments:

At 8:19 PM, Blogger Mateus said...

Oi leila legal o blog

 

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