Bruna
Me lembrei deste texto que escrevi em 2003, depois de conviver com a Bruna, uma das primeiras crianças com Síndrome de Down com quem trabalhei.
Quis compartilhar com vocês.
Beijos,
Historinhas da Bruna
(2003)
Trabalhar com a Bruna tem sido muito legal.
A Bruna é especial, assim como cada uma das 160 crianças com que lido há 5 anos, uma vez por semana. Todas são diferentes umas das outras, todas são iguais, todas inventam…
A Bruna tem 5 anos e tem Síndrome de Down. O nome é muito feio e a Bruna é muito linda. Muito enfeitada, eu a vi na rua passeando de mãos dadas com as tias, eu acho, ou com a tia e a mãe, num dia fora da escola, com um macacãozinho tão bonitinho, e ela estava tão enfeitada! A gente vê que é uma menininha muito amada e muito caprichada.
Logo no primeiro dia de aula, Bruna quis passar do jardim para a garagem pulando a mureta, assim como seus colegas haviam feito. Eu já estava no portãozinho, um pouco longe, e fiquei apreensiva – eu não sabia o que ia realmente acontecer, mas achei que podia e resolvi confiar e acompanhar e… ela conseguiu!! Eu achei muito bacana, e desde então, tenho muita fé no uso que ela faz do seu corpo.
Um dia a Maria Fernanda, uma mocinha muito solícita e maternal também com 4 anos de idade, foi ajudar a Bruna a pular a tal mureta, e conseguiu ajudar mesmo, carregando a Bruna um pouquinho. Maria Fernanda ficou muito orgulhosa e satisfeita. Bruna ficou chateada, já que foi ajudada totalmente sem querer.
Ela não pula. Mas observei minha filha desenvolvendo seu próprio pulo, e vi que tudo começou com um “pulo só de braços prá cima e pés colados no chão”, e foi desenvolvendo até virarem pulos mesmo. Talvez a Bruna venha a desenvolver seu pulo. Vou estudar e acompanhar.
A Bruna a-do-ra ver seu portfolio aqui da Moleque. Ela se senta lá na mesa de reunião e fica passando as páginas e eu pergunto se ela está gostando e ela diz que sim.
No início a Bruna dizia muito não. Agora ela ri, diz que sim, se alegra, brinca de esconder… Normal.
Bruna é irmã de Tadeu. Tadeu é mais velho que ela 2 ou 3 anos. E estuda aqui na Moleque de ideias também. Ele vem às segundas-feiras, e ela na quinta-feira. Aconteceu algo muito engraçado: A Bruna estava lá na mesa vendo os seus trabalhos, Eduarda e Gabriella estavam cortando cartinhas de yu-gui-oh que haviam acabado de fazer, e eu estava com os outros nos computadores, quando ouvimos um barulho. Gabriella me avisou que Bruna tinha deixado cair alguma coisa e eu disse à ela:
- Pega, Bruna. Pega aí no chão.
Ela emburrou um pouquinho e disse não. Continuamos:
- Não foi você não, Bruna?
- "Não." Disse ela, bem fechada.
- Quem foi? Foi Gabriella?
- "Não."
- Foi Eduarda?
- "Não."
Fiquei quieta um pouco e provoquei:
- Foi Tadeu??
E ela, um pouco espantada, mas logo com a cara mais sapeca do mundo, mandou:
- "Foi! Foi Tadeu!"
Outro dia estávamos no jardim eu, Bruna e Gabriella. Elas estavam brincando e eu achei um galho bom para varinha de condão. Dei para Gabriella e depois conseguimos outro para Bruna. Gabriella foi lá para dentro e Bruna falou – "Bussa!" Brincamos então dela me enfeitiçar e eu fazia - "Ai! Socorro! A Bruxa está me jogando feitiço!!" Ela adorou, e virou uma boa brincadeira.
A Bruna se assusta muito com ruídos repentinos. Dá peninha, mas também dá gosto ver como as coisas acontecem para ela, assim, de modo tão forte e intenso. Dá muita vontade de cuidar para que ela não fique se assustando à toa. Mas ao mesmo tempo a gente vê que ela tem tutano.
No início do ano, durante um bom tempo, as outras crianças corriam para se esconder atrás do murinho que tem quando a gente está chegando na Moleque. Eu e Bruna vínhamos mais devagar, de mãos dadas, e ela tapava o ouvido com o dedo, porque sabia que vinha grito de Buuuu! e grito=barulho=susto, e ela nunca foi boba. Hoje passou esta fase. Agora ela corre na minha frente junto com eles e se esconde também, para me assustar. Eu passo pelo murinho e eles todos vem gritando e correndo e depois do susto todo mundo ri junto.
Leila