Scholé é ócio. Educação é permissão.

"O termo pedagogia deriva do grego e quer dizer amigo (gogo) da criança (pedo). Originalmente o termo designava o escravo que levava as crianças para a escola (scholé, que quer dizer ócio, em grego) para que o ludus magister (mestre de jogos ou brincadeiras) permitisse a educação (do latim ex, que quer dizer para fora e duccere, que quer dizer conduzir, ou seja, educação, do latim ex duccere, quer dizer conduzir para fora). Traduzindo a frase anterior: o amigo da criança (pedagogo) levava-os para o ócio (scholé=escola) para que o mestre de brincadeira (ludus magister) permitisse que as crianças conduzissem para fora (ex duccere) seu potencial."

Li isso num artigo chamado "O fim da Pedagogia".

Scholé é ócio. Educação é permissão à "conduzir-se para fora." Com maestria. E brincadeira. E tem que ser amigo da criança.

Eu sou muito amiga das crianças. Muito mesmo.

O primeiro da fila.

Aqui na Moleque de ideias as crianças pequenas disputam o primeiro lugar em filas que muitas vezes desnecessariamente querem formar. É uma coisa de loucos. Quando vêem que a sessão está no fim, muitos correm para a porta e ficam lá grudados como lagartixas e, muito frequentemente, adotam a agressão física para afastar qualquer outro pretendente ao seu posto de Primeiro. Crianças bem pequenas, a partir de 4 anos de idade, já agem assim.

Adoto sempre a reflexão com eles. No cacete é que não vão decidir as questões porque isto muito primitivo. E também não vamos resolver por maioria. Será por consenso, ou por algo que alivie a todos. E juntos, envolvendo sempre os que quiserem participar. Quem faz realmente questão de ficar "na frente"? Qual a motivação desta pessoa? Será porque instintivamente é melhor não ter ninguém à nossa frente? Eu imagino que o hábito de classificar, premiar e punir de acordo com a classificação intensifica este desejo de ser o primeiro. E se há um primeiro, todos os outros estão excluídos, como bem lembrou o Eric hoje, no papo da manhã. Socialmente, é o fim.

Aqui na Moleque procuramos sempre ouvir, respeitar e atender os desejos de cada um. Agimos sempre que surgem conflitos de interesse, procurando incentivar a todos a aplacar a violência contra si próprio e contra os outros. Como podemos atender os desejos de todos? Qual a necessidade de se fazer uma fila neste ou naquele momento? Tem que ser fila mesmo? Se sim, como estabelecer a ordem? Como decidir a favor de alguém quando dois ou mais desejam a mesma coisa?

O tempo é um aliado favorável. E as crianças adoram conversar sobre a vida e viver em paz.

Inclusão.

Todo mundo incluído no interesse pelo Ben10. Todo mundo não, só Vitor, João e João Emmanuel. O Gianluca está incluído no interesse dele.

Tem quem se expresse assim.

Desenho do João Victor, 11. A escola insistia em que ele deveria se esforçar para descrever o Titanic em palavras. Tem gente que se expressa melhor assim.

João, dia 1 - temos aí um canditado à ginástica.

Ontem eu fiquei com ele e fui onde ele quis ir. Ele gostou muito de ficar lá fora e explorar fisicamente os espaços. Acabou criando um circuito bem legal, que ele repetiu várias vezes, lançando novidades em algumas voltas. O início era subir na mureta da varanda pela parte pequena, o que requer muita força nos músculos da coxa, para conseguir erquer o corpo com pouco apoio para as mãos. Subia e dava a volta na pilastra. Daí para a frente uma trave - a mureta estreita - e um vão para vencer até a próxima pilastra. João parava no meio, brincava, piscou pra mim! Sabe como bebê, que a gente ensina a piscar pra dizer que gosta? Então... Voltando, no final da mureta ele dava nova volta em outra pilastra e aí tinha que pular para o chão. João pula da mureta até o chão sozinho e/ou com ajuda, ficava a critério dele e eu ajudei sempre que ele pediu. Aterrisa dobrando os joelhos, firme no lugar, bem inteligente. Fez este primeiro circuito algumas vezes. Aí mostrei o tronco da goiabeira e João incorporou-o ao circuito. Pedia ajuda pra parte mais difícil e aí eu dava a mão para ele e ele usava como pequeno apoio. Ia até o fim do tronco, pulava no chão, voltava pelo tronco - esta volta era a parte mais difícil. Quando se desequilibrava, rapidamente conseguia se apoiar nas próprias pernas e retomar o equilíbrio, com o corpo todo. E aí voltava para o início do circuito novamente. Lá pelas tantas inventou uma novidade: quando contornava a mureta para voltar para o início do circuito, batia a mão na mureta e levantava os dois pés do chão, fazendo o contorno com vôo de corpo, muito legal, eu adorei. Outra coisa que eu gostei foi quando quis se deitar na mureta de costas e eu ajudei-o a fazer algumas abdominais. Ele gosta mesmo de coisas pro corpo. Penso que ele deve adorar um espaço com equipamentos de ginástica do tipo cavalo, barra, coisas assim. Ele gosta muito de se equilibrar e fica no limite mesmo, às vezes.

Para ter mais firmeza nos seus movimentos, eu pensei que era melhor que ele tirasse as sandálias, mas ainda não quis sugerir. Daqui a pouco ele mesmo tirou. E colocou as sandálias no lugar sugerido por mim sem titubear. E quando quis calçar novamente para ir até a sala verde comer um biscoito, pegou no lugar certo, sentou, calçou até onde consegue e ficou esperando ajuda para o resto. Ajudei.

Quando quis guardar a mochila, eu mostrei o mochilódromo e ele foi lá e pendurou a dele corretamente.

Fechar a porta da copa e trazer à vida o Come-come dos biscoitos funcionou bem para estabelecer alguns limites mais confortáveis para todos nós. João comeu três biscoitos, um de cada vez, ao longo do tempo, pegando da minha mão e não de dentro do pote, e, da última vez, esperou que eu servisse o colega João Emmanuel antes dele.

No final da sessão, interessou-se pelo computador e pelo Kid Pix, e coloriu um pouco, preferindo usar o mouse à caneta. Aprendeu que a mangueira balança e repetia o movimento com a mão esquerda. Repetiu várias vezes esta operação.

O João Emmanuel, que conhece o João do colégio onde estudam, depois que eu contei toda a história dele vir para cá e que esta turma é inteligente socialmente, e que o João ia experimentar, eles também, eu também, e tal... João Emmanuel disse: "Esse garoto é muito chato, tomara que ele não goste."

João, vamos para a segunda vez semana que vem. :-)

E quando eu pensava que estava tudo indo bem, ficou melhor.

Esta semana chegou o João Vitor e eu estava toda feliz, completa. A Moleque está organizada, estamos com 200 e tal crianças, todo mundo já está com seus grupos definidos, o trabalho está bastante sobre controle. Controle suficiente para fluirmos e podermos dar notícia.

E então vem o João, outro João, 8 anos, gorducho, "João é autista.", grita, não fala, não olha nos olhos. João descobriu a copa, e os biscoitos. João adora biscoitos e gosta de comer vários ao mesmo tempo. Eu disse que não podia isso, como é que vai entrando assim e pegando os biscoitos? E ele nem aí, mas acabou me devolvendo um.

Este um eu dei para ele mais tarde, na hora que ele estava indo embora.

João vai começar quinta-feira e vamos trabalhar com ele eu, o Vitor Nunes, 9, Gian Lucca, 9, e Emmanuel, 8 anos de idade. Os três, cada um com seu estilo, são todos muito inteligentes socialmente. E todos muito expressivos individualmente. Eu acho que vai ser muito bom para o João, eu acho que ele vai gostar muito.

Eu, que não sou tão boa de social assim, tive sorte. Quando eu tinha 23 anos e fui morar fora da casa dos meus pais, um dos itens que eu fiz questão de comprar foi um pote para biscoitos que é um boneco azul de porcelana, o COOKIE MONSTER, o Come-come da Vila Sésamo. Guardo este pote até hoje, usei quando minha filha era pequena, e há muito tempo não uso. Quando me veio à lembrança este boneco, toda resistência que eu estava tendo a alterar a minha vida boa se transformou em alegria de trabalhar.

O pote já está aqui embrulhado esperando a quinta-feira chegar. Vou colocar uns biscoitos bem legais e mostrar para o João. Acho que ele vai gostar. Vamos ver o que acontece a partir daí.

Para quem não conhecia, apresento o João Vitor.

Dia 1.

"Se eu colocar a mão aqui, vai parecer que eu estou de mãos dadas com ele."

Isso mesmo, João, estamos todos de mãos dadas. Vamos juntos. Eu estou feliz à bessa e sei que você também está.